segunda-feira, 12 de abril de 2010

UMA CONVERSA NO ESCURO


Era evidente que telefonara para relatar algo importante, dada a hora em que decidiu romper o silêncio da sala de estar de Magnólia. Alguns segundos já tinham se passado e apenas a sua respiração ansiosa denunciava a autoria do telefonema, pelo menos para Magnólia não restavam dúvidas. Ela sabia que aquela respiração já esteve próxima o bastante para não deixar-se confundir. Assim aguardava - também em silêncio - ver partir do outro lado da linha a coragem da primeira palavra.
- MAGNÓLIA!!!
O silêncio de meses fora rompido. Aquela voz tão doce novamente dizia seu nome, tantas coisas passavam por sua cabeça, ela mal podia acreditar. Mas... Deveria ter medo e ser cautelosa. Ou não?
A voz chamou-lhe novamente.
- Magnólia, precisamos nos encontrar com urgência. Não posso mais adiar. Estarei a sua espera no ponto de táxi do Terminal Rodoviário, encontre-me sem demora.
- Nã...
E antes mesmo que pudesse responder, o diálogo foi encerrado pelo autor da ligação.
Encontrá-lo depois de tanto tempo, depois de ter determinado para si que nunca mais ficariam frente a frente. Mas, e se não fosse vê-lo? Talvez ele pudesse passar a insistir mais do que as ligações que, diversas vezes na noite, causavam-lhe taquicardia. Não ousava desligar o telefone porque também era um modo de saber se ele ainda continuava vivo.
O que aos poucos lhe tirava a própria vida, estava terrivelmente abatida e assustada com a situação.
Com saudade buscava na mente ouvir o modo como ele pronunciou seu nome ao telefone, como era bonita a sua voz grave e doce ao mesmo tempo. Lembrou-se de ter sido surpreendida por aquela voz quando se conheceram, pela virilidade da sua voz. Mas, agora tudo estava mudado, apenas o timbre da voz parecia ser real, suas palavras eram duvidáveis.
Ele a queria ter a qualquer custo. MESMO QUE LHE CUSTASSE A VIDA.

quinta-feira, 18 de março de 2010

A CASA DE EMÍA


Emía tinha obstinação em traçar o futuro alicerçado em suas convicções. Que não eram poucas - diga-se de passagem.
Ela era fascinada por ver o dia anoitecer suavemente, achava a transição "sutil" da luz do dia para a chegada da noite um acontecimento esplêndido. E ali ficava PARADA onde estive para experimentar a leveza da chegada do breu. Contagiada - em seu momento de estagnação - do movimento das coisas, dos carros, das pessoas que retornam às suas casas depois do trabalho, depois da escola, depois das OBRIGAÇÕES...
É bem verdade que as manhãs lhes eram um parto diário. Ter de levantar-se cedo para quê? Para ver nascer o dia das vítimas do mundo nos noticiários, ver os corpos dos proletários rastejarem debaixo do sol em busca de sustento e satisfação falsários? Nada disto condizia com as convicções de Emía.
E mesmo assim ela insistia em deixar-se levar pela opinião alheia. Fugia de si constantemente e em poucos dias apaixonava-se por alguém a quem entregaria o amor, a dedicação impossível e a rotina que seguiria nos próximos meses ou anos.
As recordações mais latentes em sua memória eram advindas das paixões que tivera e se em seu repertório falhassem lembranças na cabeça, mantinha um relicário de cartas e objetos que guardados numa caixa junto a um diário não a deixavam esquecer nenhum dos amores que teve. Era convictamente nascida para amar.
Contudo para a tristeza de Emía os amores passavam. Em sua certeza sabia sempre que havia uma data para o início e o término de uma história. E era isso que ela era, uma colecionadora de histórias de amor. Não que não quisesse ter uma história só, mas parecia-lhe que de tanto amor para dar, certamente deveria dividir com mais alguém. E assim que surgisse o desejo de amar um novo alguém a penúltima história acabava de ser escrita.
A casa de Emía tinha algo de seu por todas as partes e ali ela conservava um espaço que era imensamente particular, onde cabiam apenas ela e o seu amor. Sim, porque estar com Emía é morar junto a ela, definitivamente. Ah! Quanta doçura em vê-la caminhando pela cozinha de meias nos pés e uma xícara de chá de hortelã nas mãos. Quanto perfume! Aqui e ali havia um quadro pintado por ela, uma costura que fizera para uma almofada de sofá, um biscoito de polvilho num pote na cozinha, um bolo quente na janela do quintal... E se orgulhava imensamente da beleza de cada feito e gesto seus. Todos para ofertar a alguém.
Certamente não era difícil amá-la, nem amar as suas simples exigências - como ter de amar o seu gato "Rom Rom" e as suas plantas - o amor era o seu maior ensinamento, mas ter de deixar de amá-la era doloroso demais. Era ter que voltar para casa.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

GENOT


A solidão assusta sempre, mesmo aos mais desavisados da sua existência. E Genot nunca gostava de estar sozinho. Era nele um sentimento e um traço de sua personalidade que não revelaria a ninguém, tamanha era a força e alegria que fazia questão de expressar.
Não era um rapaz de rosto admirável, entretanto não era feio. Aproximava-se dos trinta anos, mas aparentava mais idade.
Genot encontrava-se no que ele achava ser "um momento decisivo" de sua vida. Há pouco tempo tinha ganhado uma quantia bastante significativa num jogo de loteria e permanecia em silêncio sobre este segredo íntimo e valioso.
O que aconteceria dali em diante e todas as possibilidades de felicidade, que ele julgou serem egoístas, a culpa e dor do trabalho sem fim pela falta de dinheiro, tudo deixaria de existir.
Até mesmo o cansaço de anos pela aquisição da intelectualidade - de universidade em universidade, graduação em graduação - parecia-lhe um alento que deixasse de existir agora. Nunca havia mesmo visto o valor e propósito de tudo aquilo que aprendera e se a vida acadêmica lhe aconteceu, foi pela facilidade que encontrou em estudar a ter de trabalhar no pesado. Sabendo ser pobre não poderia se atrever a ser burro também. "SERIA MUITO MAIS DIFÍCIL".
Na consumição por alcançar a absoluta verdade da vida, teria Genot experimentado vários modos de viver e de ser o que lhe aprazia, se lhe despertasse certo espanto ou curiosidade. Mas agora a estabilidade dos instantes acobertava-o e se o protegia era notadamente um modo novo de tentar lidar com o desconhecido: O AMOR.
Poder cumprir uma rotina somente sua, sua e de mais ninguém era algo de que não se desfazia. Havia algum tempo que morava sozinho e se alguém lhe ensinou o jeito certo de agir e reagir aos acontecimentos, se por acaso tivessem lhe ensinado a cumprir uma rotina comum, de certo o adestramento falhou.
A LIBERDADE. O LIVRE AGIR. Era isto que Genot queria ter, uma vontade que ano após ano não lhe saía da cabeça. Quem sabe seja este realmente o momento decisivo.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

ENGARRAFANDO NUVENS


"Nuvens… São elas hoje a principal realidade, e preocupam-me como se o velar do céu fosse um dos grandes perigos de meu destino".(Fernando Pessoa)

Uma hora ou outra todos nos debruçamos, cabeça baixa e olhos ignorantes, diante das impossibilidades da vida. Há quem diga que o acalento de uma bebida cai-nos bem ao corpo e espírito cansados da espera dos medalhões que dia após dia nos exigem mais competição. Eís o motivo pelo qual Magnólia estava alí a beber.
Sabia ela com convicção que o círculo das horas não pertence a nenhum dos homens.
Olhava atenta ao redor para tudo que houvera construído e inflada da sua embriaguês, orgulhosa do próprio pensamento, tinha a certeza de que não só ela, mas, todos os humanos "todos sem exceções" NÃO ERAM METADE DO QUE SONHAVAM SER.
Lembrou-se nesse instante de uma frase "Somos do tamanho dos nossos sonhos". Nunca antes Magnólia ousou refletir aquelas palavras.
Gargalhava agora ela enquanto interrogava sobre o próprio tamanho. "SOMOS DO TAMANHO DOS NOSSOS SONHOS? SOMOS DO TAMANHO DOS NOSSOS SONHOS?".
Talvez pela bebida sentiu-se partida em duas: A primeira e grande Magnólia que por ter tido grandes sonhos deveria mesmo ser grande também; e a segunda e pequena que por pequena ser deve ter sonhado pouco ou o insuficiente para crescer.
Ao concluir a bipartição de si, tomou uma golada maior da Vodka que anestesiava aquela cirurgia mal sucedida. E talvez tenha derramado um pouco no corte com o pretexto de estancar a dor de não ser nem a primeira, nem a segunda, mas a que da vida deteve nas mãos apenas aquela garrafa e seu conteúdo.
De longe as nuvens são lindas, macias e de formas tão diversas que é impossível não escolher ao menos uma...
"Sou dependente de sonhos! Somos todos dependentes!" -
De certo o céu naquele instante sinalizou premissas e nuvens de outros tons e uma fina garoa caiu sobre Magnólia adiconando mais bebida a sua garrafa. Ela já havia feito a sua escolha e foi assim que minutos antes de adormecer, Magnólia balbuciou palavras que ao despertar jamais lembraria.
"Tão impossível quanto tocarmos uma nuvem é tentarmos ser do tamanho de nossos sonhos: O máximo que se pode conseguir é ter as mãos molhadas".
- LAVA-NOS AS MÃOS,TIRA-NOS A CULPA DOS NOSSOS SONHOS E SERVE-NOS DO TEU CÉU EM GARRAFAS MAIS BARATAS.